Eu acredito que muita
gente vai concordar comigo que esses "métodos" para curar a febre da
criança são pouco eficientes. Simplesmente não funcionam. E se você
perguntar porquê, todo mundo vai saber responder:
(1) febre não depende de você querer ou não.
(2) febre é algo "físico" que ocorre no organismo e não "algo da sua cabeça"
É isso mesmo. Febre não depende de querer e nem é algo da nossa cabeça.
No entanto, quanto se trata de depressão, a história muda. Existe ainda
a crença de que depressão se cura "com conversa" e que na verdade
depressão é "tristeza" da cabeça de alguém. Parte dessa crença vem da
completa falta de conhecimento do que é a doença (o que ela afeta e como
ela é combatida) e da completa falta de conhecimento de como lidar com
pessoas depressivas. A minha postagem de hoje tem uma função meio
utilidade pública: quero te ensinar um pouco sobre a doença e como lidar
com pessoas à sua volta que têm depressão.
Primeiro ponto
importante: depressão, assim como a febre, é uma doença física. Apesar
de conhecermos ainda pouco sobre todas as causas e sintomas específicos
da depressão, uma coisa podemos dizer com certeza: depressão tem uma
base física (neurológica) bem fundamentada.
A doença: o cérebro
humano é composto de, mais ou menos, 10 milhões de neurônios (células
nervosas). Essas células são conectadas entre si. Essas conexões que
possibilitam que uma célula se comunique com a outra. A comunicação
entre dois neurônios ocorre em forma de impulsos elétricos -- uma célula
envia um impulso elétrico para uma outra célula através da conexão
entre elas. A base do nosso processamento cognitivo, movimentos, funções
vitais, emoções, etc. está nessa constante troca de impulsos elétricos
(um eletroencefalograma, por exemplo, mede exatamente esses impulsos
elétricos).
No entanto, quando olhamos essas "conexões" de
perto (usando um microscópio), vemos que, na verdade, um neurônio nunca
encosta em outro. Existe um espaço entre uma célula e outra -- chamado
sinapse -- e nesse espaço existem moléculas (enzimas) bem pequeninas
chamadas neurotransmissores. São essas moléculas que "transmitem" um
impulso elétrico de uma célula à outra. É como se elas pegassem o
impulso de uma célula e levassem até a outra (uma espécie de office-boy
das células). Apesar de pequeninos, esses neurotransmissores têm um
papel muito importante no processamento de informação no cérebro. Se
eles param de funcionar, a comunicação entre as células fica
comprometida.
Um desses neurotransmissores -- conhecido como
serotonina -- está presente em grande quantidade na região límbica do
cérebro (a região responsável pelo controle das emoções e do humor).
Esse neurostransmissor está envolvido na estimulação de batimentos
cardíacos, na estimulação do sono, na excitação sexual, etc. A
serotonina é um regulador de extrema importância no funcionamento
correto do cérebro, principalmente no que diz respeito à como
controlamos nossas emoções. Um outro neurotransmissor importante é
conhecido como noradrelina. Esse está relacionado com o sistema que nos
mantêm alerta (além de outras funções, claro).
Pacientes com
depressão têm uma quantidade comprovadamente pequena de serotonina e
noradrelina em suas sinapses nervosas. Em outras palavras, a comunicação
entre os neurônios que precisam desse neurotransmissor é extremamente
deficiente. E como esses neurônios se encontram em grande quantidade no
sistema límbico do cérebro (aquele responsável pelo controle das emoções
e humor), o cérebro encontra problemas em "lidar" com essas funções.
É como se o sistema límbico fosse um escritório responsável pelo
controle das emoções. Cada neurônio (um funcionário do setor) tem uma
responsabilidade distinta. Para um perfeito funcionamento do setor, os
funcionários precisam se comunicar efetivamente. Imagine que o
funcionário A envie uma mensagem para o funcionário B dizendo como ele
deve agir em determinada situação (fogo, por exemplo). Se a informação
do funcionário A nunca chega ao funcionário B, não há como o funcionário
B saber como agir na determinada situação de fogo. E essa informação só
não chegou ao funcionário B, porque o responsável pela transmissão dela
(o neurotransmissor) não está presente. De uma forma bem simplista, é
isso que ocorre!
Então? Existe remédio para isso? Sim. Sob um
ponto de vista puramente biológico, a função do antidepressivo é curar
esse problema de comunicação: ele "regulariza" o nível de serotonina (ou
noradrenalina, dependendo do tipo de antidepressivo) nas sinapses
nervosas. O Prozac, por exemplo, inibe um processo conhecido como
"reutilização" de serotonina, o que consequentemente aumenta a
quantidade de serotonina disponível na sinapse. Um antidepressivo não
vai te deixar "feliz", mas vai auxiliar no controle da comunicação entre
dois neurônios, de maneira que, diante de uma situação em que o
controle das emoções seja necessário, essa comunicação ocorrerá de
maneira mais efetiva.
Isso quer dizer que a depressão é
puramente física? Obviamente, não. Ainda se conhece pouco sobre como
todos os fatores (biológicos, genéticos e "sociais") que se combinam
para criar quadros de depressão. Apesar de estar claro os fatores
isolados que "causam" a depressão, ainda estamos em fases bem iniciais
na compreensão de como esses fatores interagem. Mas ao mesmo tempo,
sabemos que há uma disfunção física, de base neurológica, que
caracteriza a doença. E isso precisa ser levado em consideração quando
lidamos com pacientes depressivos.
Como lidar com eles então?
Uma vez que você já sabe que existe um componente físico e que não
depende da vontade do paciente para ser curado, evite achar que pode
curar depressão com conversa. Da mesma forma que não faz sentido
"conversar" para curar febre, não faz sentido apenas "conversar" para
curar depressão.
Lembro que quando tive aulas de
primeiros-socorros, uma das primeiras coisas que aprendi foi: "não tente
remover a vítima, pois você pode piorar a situação dela". Lidar com uma
pessoa depressiva é muito parecido com lidar com alguém que acabou de
sofrer um acidente: executar algum procedimento sem "saber" o que está
fazendo pode seriamente piorar o quadro da pessoa. Da mesma maneira que,
ao lidar com alguém que acaba de sofrer um acidente, você às vezes não
pode fazer nada, você não precisa dizer à pessoa que ela vai ficar sem a
perna. Mais cedo ou mais tarde ela vai precisar saber que vai ficar sem
a perna, mas isso não precisa ser dito na hora da agonia do acidente.
Ao conversar com pessoas depressivas, evite dizer coisas do tipo "isso é
coisa da sua cabeça", "você vai sair dessa; só depende de você", "não
posso fazer nada por você". Mesmo que você não possa fazer nada, diga à
pessoa "estou aqui com você e vou procurar ajuda para você".
Assim como ocorre com pessoas que sofrem um acidente, a cura para a
depressão não é imediata. Mesmo após ir para o hospital, a dor das
feridas do acidente ainda doem por um tempo. Mesmo depois que a pessoa
procurar ajuda (que seja um antidepressivo), a cura ainda demora. O
sistema límbico precisa se "reorganizar" para começar a funcionar
normalmente de novo. É preciso paciência. E paciência vem com
conhecimento do processo. Nunca se culpe pelo estado depressivo de
alguém. A sua saúde mental é primordial se quer ajudar alguém
depressivo. Mas saber como agir é essencial.
No pior das
hipóteses, volte ao guia de primeiros-socorros. Pergunte! Procure saber.
Leia sobre o assunto. Pergunte a quem entende. Essa atitude é melhor
que do que simplesmente agir de qualquer maneira e arriscar machucar
ainda mais alguém que já está suficientemente machucado a ponto de
chegar à um quadro depressivo.
Fonte: Desconhecido
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